Crónicas de um Sem Nome – Parte 7

A festa já tinha começado, com pessoas de diversos lugares da lusofonia, brasileiros, guineenses, cabo-verdianos, moçambicanos, são-tomenses e angolanos. Num ambiente multiculturalmente africano, cheio de animação, em que todos se divertiam ao ritmo das mais variadas músicas dos seus países, estabelecendo uma integração festiva cujo exemplo merecia ser levado para outros campos desta mesma convivência. Porque em hora de borga, má ou boa vida, a maioria se integra, mas quando o assunto é sério, um tanto diplomático dentro dum contexto relacionado ao associativismo, existem brigas e rixas propensas a causar inimizades desagradáveis para todos. É certo que um dia cada indivíduo irá regressar para as suas pátrias, deixando um passado “desintegrado” pra trás, porém, nunca se sabe se num futuro não muito distante, essas boas relações, caso bem plantadas, poderão vir a ser úteis em determinadas fases da vida.

O Sem Nome, achava-se numa das extremidades do salão onde decorria a boda, com a sua camiseta rosa e bermuda azul-meio-safada, munido de um copo descartável que escondia o doce vinho “Pérgola”, bastante consumido na Bahia. Ele ia bebendo lentamente, apreciando as movimentações da festa, pois sempre foi do tipo que prefere estar observando mais, dançando menos. Enquanto agitava a cabeça, pra trás e pra frente, com o álcool produzindo os seus efeitos, o som que entrou de seguida, colocada por um DJ angolano, fê-lo sentir uma vontade imensa de “bodar”. “Essa mboa”, de Adi Cudz e Nélson Freitas, potenciou a sensação de agarrar aquela cabo-verdiana chamada Rute, que no dia anterior estava “dando em cima”. E foi o que ele fez. Primeiro o convite, segundo o início da sensual dança, e terceiro, o envolvimento na tarraxinha imposta pelo “clima quente” que somente precisava terminar em beijos. As pessoas já estavam comentando, sobre a forma como o calmo visitante Sem Nome ia se familiarizando no ambiente. Mas ele não ligou pra nada, só queria usufruir o instante e esquecer tudo, inclusive do seu nome que daqui a pouco será revelado.

Lauro. Assim se chama o amigo e compatriota, o qual, ele foi visitar em São Francisco do Conde. O mesmo se encontrava surpreendido e contente, em ver que o Sem Nome estava num divertimento a cem quilómetros por hora. Pois, ele tem estado por dentro dos assuntos que têm causado preocupação no seu “tropa”, então, foi essa a principal razão de tê-lo convidado para passar um tempinho em sua casa. Divertir, espairecer e “partir copos”. Os dois se conheceram na infância, entre brincadeiras, idas e voltas para a escola primária que fica em Guadalupe, São Tomé e Príncipe. Uma amizade de muitos anos, que teve seu real afastamento quando o Lauro não conseguiu à primeira tentativa, uma vaga para vir estudar no Brasil, mas mesmo assim, eles sempre se comunicavam pela internet, sendo que, passado um ano, os dois se reencontraram. Apesar de estudarem em universidades diferentes, morando em cidades também diferentes, ambos arranjam justificações periódicas pra se esbarrarem.

Entretanto, de regresso á festa. Onde dança após dança, os bons e os maus dançarinos iam dançando. Houve um momento em que o DJ soltou várias puitas de Camilo Domingos, para uma maior vibração dos são tomenses ali presentes, que apesar de não saberem reproduzir perfeitamente esses passos tradicionais, fizeram jus aos seus patriotismos e caíram de cabeça, tronco e membros no compasso musical e dançante. Ensinando o que sabem para os outros, das demais nacionalidades, que também mostravam felicidade e facilidade em aprender. A Rute, que adora dançar, foi uma das pessoas que melhor se adaptou, sem se desgrudar por um segundo sequer do Sem Nome, armado em professor sabichão pelo simples facto de estar “boiado” e acreditar que naquela noite, aquela cabo-verdiana gira, seria uma conquista fácil. A Pipoquinha ou a Garota exótica eram lembranças longínquas que pareciam pertencer à outra realidade. Ele se encontrava numa dimensão espiritual totalmente liberal, desejando mandar todos os tormentos pra “safoda”; o seu “eu” viu interesse em deixar alguns conservadorismos de lado. Mas nem todos estavam gostando dessa sua incorporação na surrealidade. O ex-namorado da Rute, pausado num canto, fervia de raiva com o que se passava, anunciando uma atitude drástica até ao final da boda…

Todavia, essa já é outra estória. Que não vai entrar para o final das “Crónicas” deste Sem Nome, cuja identidade foi escondida durante seis semanas. Foram relatadas as verdades, desgostos e aspirações de um jovem são-tomense na diáspora, que como a maioria, pretende arranjar métodos académicos para a obtenção dum diploma e vasto conhecimento que lhe possa abrir novas portas e horizontes. Perspetivando várias transformações internas, que o ajudem a crescer como pessoa, mesmo passando por caminhos tortuosos, onde a falta de rumo serve de motivo para o desespero. O nome do Sem Nome, na verdade, não existe. Ele pode ter o nome que o leitor desejar, conforme a imagem que tiver dele.

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