Arquivo do Autor: Lauro José Cardoso

Sobre Lauro José Cardoso

Sou um apaixonado por música e literatura, que usa essas duas "armas" como forma de expressão, libertação e aprendizagem. Utilizando-as no meu dia a dia, com um estilo intervencionista e facultativo.

Crónicas de um Sem Nome – Parte 7

A festa já tinha começado, com pessoas de diversos lugares da lusofonia, brasileiros, guineenses, cabo-verdianos, moçambicanos, são-tomenses e angolanos. Num ambiente multiculturalmente africano, cheio de animação, em que todos se divertiam ao ritmo das mais variadas músicas dos seus países, estabelecendo uma integração festiva cujo exemplo merecia ser levado para outros campos desta mesma convivência. Porque em hora de borga, má ou boa vida, a maioria se integra, mas quando o assunto é sério, um tanto diplomático dentro dum contexto relacionado ao associativismo, existem brigas e rixas propensas a causar inimizades desagradáveis para todos. É certo que um dia cada indivíduo irá regressar para as suas pátrias, deixando um passado “desintegrado” pra trás, porém, nunca se sabe se num futuro não muito distante, essas boas relações, caso bem plantadas, poderão vir a ser úteis em determinadas fases da vida.

O Sem Nome, achava-se numa das extremidades do salão onde decorria a boda, com a sua camiseta rosa e bermuda azul-meio-safada, munido de um copo descartável que escondia o doce vinho “Pérgola”, bastante consumido na Bahia. Ele ia bebendo lentamente, apreciando as movimentações da festa, pois sempre foi do tipo que prefere estar observando mais, dançando menos. Enquanto agitava a cabeça, pra trás e pra frente, com o álcool produzindo os seus efeitos, o som que entrou de seguida, colocada por um DJ angolano, fê-lo sentir uma vontade imensa de “bodar”. “Essa mboa”, de Adi Cudz e Nélson Freitas, potenciou a sensação de agarrar aquela cabo-verdiana chamada Rute, que no dia anterior estava “dando em cima”. E foi o que ele fez. Primeiro o convite, segundo o início da sensual dança, e terceiro, o envolvimento na tarraxinha imposta pelo “clima quente” que somente precisava terminar em beijos. As pessoas já estavam comentando, sobre a forma como o calmo visitante Sem Nome ia se familiarizando no ambiente. Mas ele não ligou pra nada, só queria usufruir o instante e esquecer tudo, inclusive do seu nome que daqui a pouco será revelado.

Lauro. Assim se chama o amigo e compatriota, o qual, ele foi visitar em São Francisco do Conde. O mesmo se encontrava surpreendido e contente, em ver que o Sem Nome estava num divertimento a cem quilómetros por hora. Pois, ele tem estado por dentro dos assuntos que têm causado preocupação no seu “tropa”, então, foi essa a principal razão de tê-lo convidado para passar um tempinho em sua casa. Divertir, espairecer e “partir copos”. Os dois se conheceram na infância, entre brincadeiras, idas e voltas para a escola primária que fica em Guadalupe, São Tomé e Príncipe. Uma amizade de muitos anos, que teve seu real afastamento quando o Lauro não conseguiu à primeira tentativa, uma vaga para vir estudar no Brasil, mas mesmo assim, eles sempre se comunicavam pela internet, sendo que, passado um ano, os dois se reencontraram. Apesar de estudarem em universidades diferentes, morando em cidades também diferentes, ambos arranjam justificações periódicas pra se esbarrarem.

Entretanto, de regresso á festa. Onde dança após dança, os bons e os maus dançarinos iam dançando. Houve um momento em que o DJ soltou várias puitas de Camilo Domingos, para uma maior vibração dos são tomenses ali presentes, que apesar de não saberem reproduzir perfeitamente esses passos tradicionais, fizeram jus aos seus patriotismos e caíram de cabeça, tronco e membros no compasso musical e dançante. Ensinando o que sabem para os outros, das demais nacionalidades, que também mostravam felicidade e facilidade em aprender. A Rute, que adora dançar, foi uma das pessoas que melhor se adaptou, sem se desgrudar por um segundo sequer do Sem Nome, armado em professor sabichão pelo simples facto de estar “boiado” e acreditar que naquela noite, aquela cabo-verdiana gira, seria uma conquista fácil. A Pipoquinha ou a Garota exótica eram lembranças longínquas que pareciam pertencer à outra realidade. Ele se encontrava numa dimensão espiritual totalmente liberal, desejando mandar todos os tormentos pra “safoda”; o seu “eu” viu interesse em deixar alguns conservadorismos de lado. Mas nem todos estavam gostando dessa sua incorporação na surrealidade. O ex-namorado da Rute, pausado num canto, fervia de raiva com o que se passava, anunciando uma atitude drástica até ao final da boda…

Todavia, essa já é outra estória. Que não vai entrar para o final das “Crónicas” deste Sem Nome, cuja identidade foi escondida durante seis semanas. Foram relatadas as verdades, desgostos e aspirações de um jovem são-tomense na diáspora, que como a maioria, pretende arranjar métodos académicos para a obtenção dum diploma e vasto conhecimento que lhe possa abrir novas portas e horizontes. Perspetivando várias transformações internas, que o ajudem a crescer como pessoa, mesmo passando por caminhos tortuosos, onde a falta de rumo serve de motivo para o desespero. O nome do Sem Nome, na verdade, não existe. Ele pode ter o nome que o leitor desejar, conforme a imagem que tiver dele.

Crónicas de um Sem Nome – Parte 6

Crónicas de um Sem Nome – Parte 6

“Estamos em greve”. Foi essa a expressão final utilizada por uma representante do comando de greve, durante uma assembleia somente com a presença dos estudantes. A maior parte das universidades federais do Brasil, pautaram pela paralisação por causa do corte no orçamento de estado para a educação. Uma situação bastante complexa para a comunidade estudantil, que normalmente é a que mais padece com esses problemas e reivindicações. No caso particular da universidade onde o Sem Nome coabita “estudantilmente”, outras questões a mais precisam ser reivindicadas e postas em cima da mesa, de modo a melhorar as condições académicas como sustentabilidade para os caminhos vindouros. No começo, ele não estava a favor da greve, mas na medida em que o seu conhecimento quanto ao assunto foi aumentando, o pensamento mudou. Pois, na vida, o ser humano necessita ter um bom nível de engajamento político para reclamar o que precisa ser reclamado, dentro dos seus direitos de cidadão. Uma sociedade permissiva e passiva dificilmente forma indivíduos que proponham mudanças.

Além disso, essa greve apareceu num momento em que aquele-que-brevemente terá-o-seu-nome-revelado estava mesmo a precisar dumas “férias” urgentes. Mesmo sabendo que estar em greve não implica entrar de férias, ele não pode negar a utilidade que a mesma proporciona nesse sentido. Os últimos acontecimentos o têm deixado muito abatido, e meio sem concentração para os estudos. Apesar de ter a plena consciência que isso “não devia acontecer”, ele sabe que “ás vezes acontece”. E a sua mãe, Dona Ernestina, está preocupada com isso, então, para mantê-la mais sossegada, ele a vai mantendo desinformada em relação a certos aspectos, para poder poupá-la dessas preocupações. Porque conhece muito bem a peça, e sendo um “boló”, filho único, o sentido de proteção materna assume uma proporção muito mais elevada. Recordando que aos 9 ou 10 anos de idade, o Sem Nome, era um garotinho tímido, mimadíssimo, que adorava ficar debaixo das “saias da mama” e odiava ficar longe dela, até nos instantes em que dormia na casa do seu primo querido, de quem gostava muito. Ele chorava “baba e ranho” pra regressar ao aconchego que, na altura, ficava na roça Agostinho Neto.

Quanto á Érica, a garota exótica que vai perdendo seu exotismo devido ao excesso de gordura e falta de autoestima, continua presa naquela situação desesperante. Permanece à mercê dos desmandos do tal Rodolfo, que segundo as suas ingénuas palavras, tem estado pacífico, num comportamento latente de violência que lhe deu o direito de ser digno doutra oportunidade. Mas ele, o Sem Nome, sente que agora ela anda ocultando verdades, mentindo e aparentando uma felicidade que não se coaduna com a tristeza daquele olhar outrora bué alegre, sedutor. Mais um triste exemplo que acaba sendo encoberto, facilitando a vida daqueles que cometem esse tipo crime, porque existe uma lei demasiado cómoda, rígida e teórica que não contribui para coibir ninguém, aliás, até é capaz de incentivar o “bom nome” dessa violência imposta, que está em vias de crescimento devido a enchente de casos encobertos.

Os seus sentimentos têm sofrido tantas reviravoltas. O caos está instalado. Toda essa ventania de situações que vai circulando, só fica alimentando uma confusão mental no Sem Nome. Pois, quando parecia que a Érica já era coisa do passado, e a Cadijatu, a Pipoquinha Negra, ia aparecendo como uma alternativa de fuga, ele voltou a cair na rede daquela garota exótica, mesmo sabendo que as chances de tudo voltar a ser como era no início, lá em São Tomé, estavam praticamente reduzidas a pó. Porém, parece que o amor nos escolhe e não o contrário. Com os 25 anos de existência, ele tem sido um “exemplificamento” disso, e por enquanto nada tem acontecido na perspetiva de alterar essa forma de destino. A verdade é que, a sinceridade num relacionamento é muito bom, mas tem vezes que o excesso “dela” acaba estragando tudo. A Pipoquinha acompanhou a estória toda entre eu e a Érica, e isso de algum modo inibiu os dois de se relacionarem mais intensamente. Eles estão momentaneamente dispersos. “Acho que é melhor ficar sozinho”, foi este o desabafo do Sem Nome.

Estava na rodoviária, em Salvador. Já tinha comprado o bilhete para se deslocar á São Francisco do Conde. Seria uma viagem de ônibus com cerca de 1h e alguns minutos, com o objetivo de visitar um grande amigo e compatriota seu. Depois, participar numa festa que se realizaria por lá e permanecer 3 ou 4 dias na casa dele para conhecer bem esta cidade no interior da Bahia. Aproveitando esse recesso forçado para recarregar algumas baterias, enquanto os dias correm para a surpreendente revelação da sua identidade.

Crónicas de um Sem Nome – Parte 5

Estava correndo numa calçada, á noitinha, pra manter-se em forma, num ritmo pausado e sem ziguezagues, quando de repente ele sentiu que havia alguém o perseguindo. A pessoa cuja perseguição ia sendo materializada, possuía um casaco bege com capuz, e aproximava-se a passos não apequenados. O Sem Nome acelerou rapidamente de modo a fugir dessa possível ameaça, porque no bairro onde vive é frequente haverem assaltos e roubos protagonizados desta forma. Foi um forte descuido da sua parte, afinal, “dar calças roda” naquele lugar num horário delicado e com um alto nível de “perigosidade”, pode ser catastrófico. O seu coração começou a bater num ritmo frenético, se assemelhando aos batuques que regem a dança puíta, pois o pânico dançava nos seus pensamentos e emitia sons causadores da fobia invés da folia.

O desespero ia tomando conta da alma, cada centímetro dos escassos cabelos na cabeça pressentiam que não haveria um método de escapatória. Então, ele foi apanhado, o seu perseguidor possuía patins no lugar dos pés, por isso esta rapidez e aproximação repentina. No entanto, ao tirar o capuz, revelando a sua cara identitária – que, diga-se de passagem, o deixou muitíssimo surpreendido-, e após pronunciar o nome que ainda provocou uma surpresa bem mais avolumada, o Sem Nome acordou do sonho com gosto de pesadelo. Sim, era apenas um sonho não tão estranho, devido às últimas reais informações recebidas ultimamente. Quando se levantou pra pegar no relógio e confirmar a hora, reparou que faltavam 43 minutos para ás 3h da manhã. Era cedo demais, o sono já tinha “bazado”, mais um dia de insónia, restava deitar e esperar que “ele” retornasse, mas o conteúdo do sonho não saía da sua mente. O tal Rodolfo apareceu no seu inconsciente, para atormentá-lo enquanto dormia, e isso pra o Sem Nome, não significava “boa coisa”.

Uns bons minutos passaram, continuava sem conseguir voltar a adormecer, logo, se levantou outra vez pra pegar num livro. Tentando que a leitura do “100 anos de Solidão” de Gabriel Garcia Márquez, ajudasse a atingir a concepção sonífera mais relaxante. Todavia, não houve eficácia. Os ramos pensantes do cérebro desejavam pensar na garota exótica que passou a ter nome: Érica. Esta garota que já o fez sentir as maiores vibrações de amor, que provocou muitas lágrimas de saudade e esperança, que o traiu e agora é mãe de uma menina, vivendo sob o mesmo teto com o tal Rodolfo, nos tempos atuais, recebe maus tratos do companheiro, desde ameaças, violências psicológicas e físicas, debaixo dos olhares da medrosa família do jovem pai, cuja inibição, pouca vontade de “meter a colher” têm sustentado uma catadupa de ações “dexemplares” que se não forem impedidas poderão acabar em tragédia.

O Sem Nome ficou a par desta triste novidade, no dia em que recebeu a mensagem pelo celular, enviada pela própria Érica. Contando todos os sufocos que ela tem passado, mostrando um arrependimento por tê-lo traído e pedindo-lhe ajuda para escapar desta situação caótica. No princípio, a raiva e o ressentimento, começaram por falar mais alto. Uma vontade de vingança passou-lhe pela cabeça, pois queria ter o dom de não mover nenhuma palha para ajudar a traidora exótica. Mas, os sentimentos por ela, que estavam adormecidos, voltaram a acordar e ele viu a necessidade de procurar ajudá-la. Pois, a sua preocupação e envolvimento na questão, acaba sendo duplamente mais forte porque ele sempre aprendeu e defendeu que as mulheres não devem ser objetos de pancada, ainda mais, pelo facto desse caso estar relacionado com alguém que ele… continua amando.

O problema é que ela não deseja denunciá-lo. Tem receio das represálias que poderão cair nos seus ombros, considerado o lado mais fraco. Porque a justiça em São Tomé e Príncipe muitas vezes protege as pessoas economicamente mais robustas, em detrimento daquelas mais magricelas. Além disso, o tal Rodolfo, que se encontra decidido em mostrar a sua real faceta de jovem rico, irresponsável e cruel, costuma fazer variados anúncios ameaçadores de morte. Lembrando também que o mesmo, segundo as boas ou más línguas, anda metido até a sua última fita de “cundú” no tráfico de drogas, o qual, ele também é um usuário a caminho da dependência. Pois, por detrás daquele bonitinho rosto tem uma feiura muito fácil de ser detectada quando se passa a ver mais de perto. O que deve ser feito para tirá-la das mãos desse monstro? Perguntou a si mesmo antes de adormecer como uma pedra. Eram 4h16, domingo.

Crónicas de um Sem Nome – Parte 4

Curioso. Desde ontem, o Sem Nome tem recebido alguns telefonemas de São Tomé, mas a pessoa tem desligado assim que ele começa a falar. Será problema de rede? Talvez, mas as suas desconfianças estão apontadas para a traidora exótica, que segundo vários rumores e fofocas, já conseguiu parir um bebé para a Existência, e passou a morar na casa da mãe do “papé” da menininha, onde se encontra quase como prisioneira de guerra. Pois, também chegaram aos seus tímpanos, diversas mensagens de que ela tem passado por situações não muito dignas de sorrisos resplandecentes. Aquele Rodolfo, tem tido um comportamento parecido com o de um polvo, que com os seus tentáculos absurdos, vai estrangulando toda a felicidade que ela esperava adquirir na escolha feita. “Deve estar arrependida, por isso anda a ligar” pensava por dentro, no preciso momento em que o professor lhe colocava um enunciado de prova em mãos, a qual nem tinha estudado e se preparado como não era costume.

Enquanto caminhava a pé, de regresso á casa, bastante desiludido com o seu triste desempenho na prova, pois sabia que poderia ter feito bem melhor, ele deparou-se com uma situação, em plena rua, que o deixou revoltado. Uma mulher de meia idade que ele não conhecia de parte alguma, brasileira, aproximou-se pra “puxar” conversa, e lhe perguntou de uma forma inacreditavelmente “sem noção”, se o lugar de onde vinha, a África, as pessoas só moravam em cima das árvores e se, “nós” os africanos tomávamos ou não tomávamos banho por causa dessa tonalidade de pele tão “negra”. Com uma expressão mais natural do mundo, pois pra ela, esta simples abordagem não tinha nenhum carácter preconceituoso e ofensivo. O Sem Nome, que foi apanhado de surpresa, permaneceu calado durante poucos segundos, e respondeu de forma séria e sem demonstrar qualquer agressividade: “Quem mora em árvores são os pássaros e como sou um ser humano que nem a senhora, mesmo tendo uma “cor” diferente, também tomo banho!” Após afirmar isso, virou ás costas e foi se embora, deixando a senhora com uma cara de constrangimento.

Tinha desistido de ir pra casa. Pensou em dar um “salto” até uma pracinha, que não ficava tão longe do seu “cúbico”. Precisava espairecer e tomar ar fresco, debaixo daquela árvore que servia de resguardo para aquela manhã ensolarada, que estava próxima do meio dia. Desejava refletir frescamente. E a sua reflexão foi para o facto do Brasil ser um país composto por uma maioria negra, que desconhece o seu passado histórico e as relações ancestrais com o continente africano. Daí que as situações discriminatórias e de “embranquecimento” mental têm ocorrido nas mais diversas regiões. O racismo é um problema muito bem enraizado na sociedade mundial, para quebrá-lo é preciso um trabalho árduo de “desconstrução” de preconceitos. O Sem Nome sabe disso, e deseja dar o seu contributo.

Já passavam 30 minutos, ali sentado naquela relva verde, quando a sua visão descobriu a Cadijatu, vindo ao seu encontro com aquele sorriso largo, lindo e compreensivo. Estão namorando, e ela tem feito muito bem a ele. Depois de terem saído, naquele dia, da sessão de Cinema, os seus corações estavam ligados pela flecha do Cupido e abençoados pela deusa Vénus. Mesmo sem esquecer a garota exótica totalmente, ele sente que aos poucos vai conseguindo arranjar mecanismos de superação. A “Pipoquinha Negra”, o nome carinhoso que ele deu pra ela, é uma jovem muitíssimo companheira que tem encantado o são tomense, cujo olhar fica todo envidraçado quando vê aquele rosto guineense sorrindo sem parar. Cada dia que passa, o sentimento vai aumentando.

Decidiram passear de mãos dadas pela cidade, conversar sobre assuntos românticos, dar boas risadas juntos e lançar observações nas questões mais sérias. Em que o Sem Nome falou da abordagem preconceituosa que sofreu na rua e sobre os telefonemas misteriosos que tem recebido. A Pipoquinha conhece toda a história, ela tem sido uma confidente ideal, mesmo sentindo que, ás vezes, essas confidências sejam demasiado pesadas, ferindo os seus próprios sentimentos em relação a ele. Mas sempre tem estado presente sem pressionar ou exigir mais do que pode. A verdade dentro dum relacionamento é uma preciosidade, porque só desta maneira os laços poderão ser construídos com um grau de legitimidade forte e permanente. Então, uma mensagem entrou no telemóvel dele, o indicativo é +239. Sem ler a curta mensagem desde o início, já tinha detetado no final da mesma, o nome do remetente. Érica, ou seja, a traidora exótica.

Crónicas de um Sem Nome – Parte 3

Quando se trata de seguir os sonhos, é preciso ter uma mente aberta em descobrir caminhos que possam materializá-los. Porque um sonhador sem perspetivas palpáveis resume-se num ser humano condenado a “andar nas nuvens”, pois não conhece o valor der ter os “pés no chão”. O Sem Nome vai aprendendo isso, e aos 25 anos de idade, ele consegue orientar cada centímetro do seu sonho, catapultando-os para uma conquista final não tão distante da iminência. É um dos melhores estudantes do curso em Ciências Contábeis, que obviamente, entrou na sua madeira como um prego, tendo em conta que desde mais tenra idade, a Matemática era uma espécie de “safú”, o qual não cansava de comer.

Já se imaginava como um excelente contador das finanças numa empresa bem renomeada na sociedade. Perspetivando a abertura duma empresa própria na sua terra natal. Casado e quem sabe, com filhos pra criar. Sendo um cidadão exemplar que tem a plena noção da sua função na comunidade. No entanto, ultimamente, a parte sentimental tem passado por uma “idade de gelo” que começou a se climatizar a três meses, quando descobriu que a sua suposta alma gêmea estava, aliás, se encontra grávida doutro homem. A garota exótica são-tomense andou a fornicar com o tal Rodolfo, acabando por engravidar e ele ficou a par dessa “chifração” toda, por intermédio da sua mãe, Dona Ernestina. Mas o pior aconteceu depois de os dois terem tido uma longa e pesada ”confusão” pela webcam, onde ela confirmou a consumação da traição e ainda fez outras confissões, que o deixaram completamente em modo “malaboia”.

Uma dessas confissões referia-se ao fator “Ê non sou de ferro”, sendo exatamente essa a frase que o deixou numa pilha de raiva, pois ele acreditava que a namorada conseguiria permanecer fiel e intocável até ao seu regresso, demonstrando certo machismo pelo facto de ter se esquecido, que tal como ele, a garota exótica também é uma pessoa passível de sentir uma vontade de “subir pelas paredes” em momentos de carência. O problema é que a gravidade da situação, para o lado da ex-namorada, foi mais adiante. Por isso, essa sensação de mal estar emocional, que apesar de já ter passado algum tempo, continua atormentando sua cabeça, ao ponto dele ter “deletado” o número da moça, bloqueado a amizade no Facebook, jogado no lixo os papéis com os poemas que escreveu pra ela, numa tentativa de esquecimento absoluto cuja fórmula pode não ser a mais ideal, mas capaz de contribuir para a ilusão desse objetivo, pelo menos. Ele até decidiu tentar um lance sério com a Rayanne, porém, a brasileira gostosa demonstrou um “tô nem aí” demasiado grande, porque a fila andou e havia muitas “caras” a espera dessa oportunidade desperdiçada por motivos explicados anteriormente.

Contudo, por mais que em termos sentimentais a sua vida esteja de cabeça pra baixo, esse santolense que tirou imensas lágrimas na expressão facial por causa da garota exótica, conseguiu esforçar-se pra não misturar essa problematização amorosa com os estudos. Afinal, é bom ter a sabedoria de separar as duas coisas, não obstante o facto de a vida ser um tanto relativa, sempre em movimento, e não deve ser a desilusão afetiva uma razão realmente plausível para destruir todas as aspirações que o Sem Nome fez, e vai fazendo em relação a sua carreira profissional. “Muito fácil na teoria…na prática é outra coisa bem diferente, mas vou tentando” refletia enquanto tomava um duche, no instante em que lavava o seu rosto marcado por olhos semi-gordos e nariz de tamanho elevado.

Ele tem uma sessão de Cinema marcada para ás 16h da tarde, com uma amiga guineense chamada Cadijatu, a mesma cursa o bacharelado em Humanidades e tem sido uma confidente que possivelmente poderá vir a ser uma boia de salvação, em tempos de quase afogamento passional. “Botou” uma velha t-shirt verde-canário, após ter vestido a calça jeans rasgada e calçado uma ténis branca, mas não tão branca, devido tanta sujidade que a vai deixando “nancô”. E saiu ao encontro da Cadijatu. Juntos iam assistir a estreia do filme o “Homem-Formiga”.

Crónicas de um Sem Nome – Parte 2

12 de julho, do ano 2012. Uma data memorável para o Sem Nome, pois foi nesse dia que conheceu a tal sicrana de beleza exótica. Durante as festividades alusivas ao trigésimo sétimo aniversário de São Tomé e Príncipe, ocorridas noturnamente na praça da independência, onde ele “girava” pra cima e pra baixo com os seus amigos, cujos apelidos serão revelados nas próximas alíneas. O Valdiciney, sendo o mais ativo dos três, descobriu na multidão que se encontrava ao redor da praça, três fofinhas que pareciam estar a espera de uns “psiu`s” dos homens que por ali passeavam. E com uma ousadia espantosa, aumentada pelo nível platónico do álcool, ele fez uma abordagem sedutora á elas. Arrastando os companheiros para o “viver”.

Três horas depois, o Valdiciney e o Alex já tinham “desmarcado” com as suas “parceiras do acaso” para um becozinho isolado. Enquanto o Sem Nome, conhecido na altura, pela sua lentidão e excesso de mufinice, continuava conversando –assuntos sem pés, sem cabeças- com a sua parceira do acaso, do qual começava a ficar apaixonado, por isso não tinha coragem de sugerir um passeio solitário, longe dos olhos das pessoas. Mas o extremo exotismo da garina se revelou, quando ela tomou a iniciativa de arrastá-lo até ao Snack Bar, lugar dos encontros escondidos. Acontecendo, num dos acentos do sítio, dezenas de beijos e amassos que acabaram por provocar um pontapé de saída no namoro. Que passados três anos, continua de pé embora com diversas situações malignas, desejosas de ver o relacionamento no chão.

Debruçado no sofá da sua casa, ele ia recordando esse episódio inesquecível, lançando sorrisos pra si mesmo, numa manifestação pura de contentamento nostálgico. Pois, o tempo desliza rápido, hoje ele se encontra distante da sua pátria, das pessoas que mais ama, porque veio em busca de realizações que o farão regressar com melhores “armas”, para enfrentar os desafios a serem vivenciados aquando do seu regresso. Tantas coisas precisam ser feitas, mudanças e transformações dentro duma sociedade majoritariamente jovem, sedenta de vida e que necessita de alimentar indivíduos sonhadores, crentes em fazer a diferença, perspetivando a honestidade como luta contra as mentes corruptas. Nada disso é impossível, afinal, o possível mora tão perto das nossas ações que basta acreditarmos na possibilidade dele existir. “Héhéhé, a nostalgia me levou a ter vários pensamentos heróicos hoje, espero continuar nesse caminho” refletiu com os seus botões ao levantar-se para preparar o mata-bicho. Precisava iniciar o dia com muita energia, ia preparar uns bons ovos mexidos, leite para o seu deleite e claro, tinha de ir comprar pão.

Após ter comprado os pães num supermercado que ficava perto de casa, voltou e começou a comer. Assim que acabou de colocar o último pedaço de pão na boca, o seu celular tocou, era Rayanne. Ele não atendeu. Na verdade, nos últimos dias ela tem insistido bastante, parece estar afim de uma relação mais séria, mas o Sem Nome não pretende levar essa ideia adiante, porque tem a sua negra de beleza exótica a espera nas ilhas maravilhosas. E já deixou bem claro pra ela, só que, os seus ouvidos insistem em querer ouvir outra coisa que ele não deseja dizer. Entretanto, o celular voltou a tocar, mas desta vez era a sua mãe que ligava de São Tomé. O que causou estranhamento no seu semblante, primeiro porque pensava que era a Rayanne de novo, segundo porque a Dona Ernestina nunca ligava pra ele ás 7h da manhã.

A notícia que recebeu, funcionou como um explosivo dentro do cérebro. Depois de ter desligado, várias coisas passaram na sua cabeça. Desde arranjar dinheiro e voltar imediatamente ao seu país natal á sair pra rua e gritar que nem louco. Tudo para tentar soltar a agonia que tinha sido interiorizada, todavia, a tranquilidade venceu e ele conseguiu restabelecer a normal forma de raciocinar. “Eu não quero acreditar que ela foi capaz de fazer isso”, disse entredentes, fazendo um esforço enorme para minimizar a raiva que sentia naquele momento. O Sem Nome, num ato de desespero artístico, decidiu expressar toda a ira através dum poema cujo título é: Ela está grávida doutro homem.

Crónicas de um Sem Nome

Parte 1

Ela tem uma beleza exótica. A são-tomense que provoca lágrimas de saudade na expressão facial do são-tomense que por agora se chama Sem Nome. 1m72 é a altura dessa menina que vai evoluindo para uma jovem de 21 anos, seguidora de um grupo grandioso de pessoas que odeiam a leitura, o estudo, mas que conseguiu com a sua infinita alegria africana e intelectualmente diferente, arrebatar o coração, o cérebro, o estômago, o fígado e todo o resto físico-mental desse “santolense” pouco descrito acima. Uma gaja de se tirar o fôlego, sedutora até nos instantes que tem atitudes de “pleste” perante alguns dos seus familiares e supostas amigas que sentem inveja da sua belezura corporal.

Um estudante aplicado que conseguiu, esforçadamente e tardiamente, ausentar-se do país, para prosseguir a sua carreira académica numa certa universidade materializada em terreno brasileiro, cuja aplicabilidade em Ciências Contábeis se achava inaplicável naquelas ilhas ricas, mas ainda com dificuldades rijas. “Quando voltar, quero ser alguém importante e útil na minha comunidade” essa é uma das falas que ele várias vezes utilizou na sala de aulas e nos corredores da faculdade. Havendo dias em que o próprio duvidava da veracidade dessa afirmação. Pois nem sempre existe vontade de enaltecer uma pátria que fornece “desvontade”, a cada notícia infeliz que paira nos seus olhos e orelhas. A esperança apenas existe quando bem alimentada, caso não, ela é pequena demais pra ser chamada de esperança.

Este pensamento (assim como outros que não precisam ser descritos agora) povoava dentro da mente enquanto ele preparava um comentário no Facebook bem criativo e poético – sim, ás vezes ele escreve poesias facebookianas-, para a sua amada que se encontra a enormes quilómetros de distância. Aquela foto merecia ser comentada (na verdade, todas as fotos e publicações dela) porque é necessário “marcar terreno” contra as ameaças que poderiam se desenvolver no seio do bonito relacionamento á distância. Juras de amor não devem ser poupadas. O medo de perdê-la para um bandido qualquer, de ser chamado de cornudo, de sentir um ciúme cego e descontrolado diante dos outros, parecia embebedar de fervilhamentos todos os milímetros desta paixão. Apesar de ser conhecedor da ideia que diz que o “enamoramento” não deve estar sobre os auspícios do egoísmo e da possessividade, o seu espírito taurino gostava de desconhecer esta razoabilidade. “Foda-se ela tem que ser minha, e só minha”, tartamudeava com segurança mesmo quando conseguia traí-la “pensantemente” ao imaginar-se sozinho com uma brasileira podre de gostosa.

No entanto, houve um dia em que a resistência foi pela grota abaixo. Deixou-se levar pela cadência sexual e corporal duma tal de Rayanne, numa memorável balada na residência dum amigo, consumando a traição antes imaginada e sonhada. Desconhecendo ele, que naquele preciso momento, aquela são-tomense de beleza exótica que lhe provocava muitas lágrimas de saudade, coincidentemente entrou num Range Rover pertencente a um fulano alto, negro acinzentado de nome Rodolfo, que estava de férias em São Tomé, a procura de tchilamento e curtição. Os dois foram fazer algo de similar ao que ia sendo feito pelo Sem Nome e a Rayanne, numa casa de praia da família do Rodolfo que fica na Praia das Conchas. Duas cenas quentes, com gemidos e treme-tremes, em cenários diferentes, mais ou menos ao mesmo tempo, típico de uma novela brasileira, mexicana e o escambau.

Assim que terminou de depositar um gosto, e um comentário poético na foto em que ela aparece na praia (ele foi identificado nessa postagem, que se intitulava: Pa mê grande amor Sem Nome) de óculos escuros, com um calçãozinho rosa pequenino, uma blusa também rosa e cheia de desenhos indescritíveis, acompanhada com uma garrafa de cerveja Nacional na mão direita, e pose tipicamente alegre de jovem despreocupada. O Sem Nome sentiu uma mistura de dever cumprido e tranquilidade espiritual, que brevemente e devido aos acontecimentos não relatados entre eles, iria provocar uma espécie de caos sentimental de proporções rocambolescas.